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Súcubo e suas irmãs
Érica Burini
Texto crítico para a individual "Humanas, demasiado humanas", na Zipper galeria, setembro de 2022

A exposição individual de Monica Piloni mostra, como em um jardim de esculturas do futuro, seis obras que representam corpos humanos femininos, em uma escala levemente reduzida, posicionados sobre bases. Em seu trabalho, como vem sendo desenvolvido nas últimas duas décadas, as questões da escultura tradicional são reanimadas de maneira incontestavelmente contemporânea. Os problemas do equilíbrio, da simetria, do cânone e do belo ganham resposta com procedimentos de espelhamento e multiplicação de partes e membros, na criação de seres impossíveis no plano concreto da vida comum.

Na atual exposição, vemos alguns desses corpos agachados, atualizando uma longa tradição escultórica e pictórica dessa posição. As mulheres, no entanto, estão do lado oposto da Vênus Pudica, que se banha, que busca cobrir os seios e o púbis com as mãos, que tem as pernas apertadas e fechadas. O comportamento das criaturas de Piloni pode até mesmo ser descrito pelo exato antônimo: elas são impudicas, atrevidas, desavergonhadas. Exibem sem nenhum constrangimento a sua vulva, os seus seios, tocam-se com lascívia, no sentido de obter seu próprio prazer, mas também com o intuito de seduzir o observador, reiterando o aspecto magnético e hipnótico que a própria obra de arte possui.

Succubus é uma das figuras tripartites, que aparece agachada, apoiada em stilettos (os sapatos, de mesmo nome do punhal). O encantamento, a atração e o fascínio fazem parte também da origem mitológica dessas demônias sedutoras, as súcubos. A mesma ideia está subjacente em Sereia. A artista propõe uma revisão de narrativas consagradas por meio de vozes femininas, que, por causa de seu ponto de vista comprometido, oferecem uma complexificação às personagens mulheres – como o arquétipo da femme fatale, que, tradicionalmente vista como um obstáculo ao herói, aqui ganha protagonismo.

Suas anti-heroínas, que tanto cruzam as distinções entre o bem e o mal, a ponto de inutilizá-las, nos lembram que, apesar de sua composição corpórea extraordinária, são "humanas, demasiado humanas". O movimento de dupla torção da famosa construção de Nietzsche, alterada do singular masculino para o plural feminino, é condizente com o conjunto de criaturas que compõem o corpo de obras de Piloni. A artista reforça o índice de suspeita que o filósofo alemão instaura sobre o mundo, lançando essa desconfiança também para o aspecto patriarcal da sociedade.

Sua obra busca forjar uma nova subjetividade para as mulheres, livre, autônoma e distante dos antigos julgamentos morais simplistas. Desde tempos imemoriais, afeitos às lendas e aos mitos, até o que há de mais atual. Em Selfie, uma figura se apoia sobre os joelhos e os pés, calçados com o mesmo modelo de stiletto. Ela possui olhos metálicos, vidrados, absorvidos por dois celulares, que são fitados por seus dois rostos. Piloni observa de maneira minuciosa a criação espontânea de uma nova codificação de poses dentro do espaço virtual. Está em jogo o controle da sexualidade e da autoimagem. A artista tem consciência dos limites da liberdade dentro de um mundo governado por inúmeras vontades superiores, estas muito mais materiais que esotéricas, como as do Estado, da moral e do capitalismo.

Ainda assim, Monica Piloni investiga os meios de cultivar a emancipação, como um processo ou como um horizonte de possibilidade. Suas filhas do amanhã são palpáveis, feitas de uma nova carne e de um novo osso, que em muito ultrapassa a nossa perecibilidade.

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